ORELHA DE ONÇA
I
Podemos até exagerar, mas a verdade será prestigiada
e seremos fiéis em nossa onisciência, até porque nosso intuito é somente contar,
sem adultérios, os sucessos do acampamento em plena noite sem luar na baixada
do Capão, com direito a luz de candeeiro, pandeiro e cavaquinho.
O Capão fica em um vale onde brota e desce um
córrego em direção à Lapinha. A mata ciliar é densa, e, por isso, os bichos
mais silvestres e escorraçados habitam aqueles locais, refugiando-se do Cerrado
limpo, do desmatamento e do homem.
Naquela madrugada cantava um urutau, cantar
fúnebre! Poucos são os corajosos capazes de pernoitar naquele lugar. A lenha ameaçava
a se acabar, mas não tardaria o sol a aparecer.
Vale a pena narrar logo de início três momentos
emocionantes segundo a concepção de Gute, dos quais, dois ocorridos já às altas
horas da madrugada:
O primeiro foi a chegada ao local do acampamento
depois de deliberação e decisão a respeito do melhor lugar para esse fim. Ao
livrarem-se do peso das cargas — colchões, suprimentos, espingardas, dentre
outros —, tome cortar paus, cavar, procurar cipós; um empenho, só se vendo:
faziam a coisa com gosto e entusiasmo. Era por volta de uma hora da tarde.
O segundo momento marcante foi quando por volta das
duas da madrugada algo se aproximava enquanto dormiam. Tonhão foi o primeiro a
acordar e perceber motivo. Do fogo restavam as brasas e a escuridão dominava o
ambiente. Em breve, quatro cabras aguardavam a caça com espingardas em punho.
Seria ela, a famosa, a temível? A decisão foi acordar o cachorro.
Ela, a onça, é conhecida como o terror das selvas.
Sua ferocidade e agilidade a tornam muito versátil: além de trepar árvores
altas pode saltar à grande altura. Sagaz, caça na espreita os outros bichos e
não raro ataca o gado de criação. A dona menina, assim chamada, dificilmente
ataca o homem, salvo o caso em que se sinta ameaçada, como exemplo ter seu
habitat invadido — caso em questão —, onde se torna muito perigosa, vindo
morrer aos pés do caçador. Toda essa explanação enciclopédica serve para
enfatizar que com a gata não se deve brincar.
O terceiro episódio é parecido com o citado acima,
porém a certeza era maior: a bichana ao se aproximar do barraco foi assustada
pelo cachorro, e Téo podia vê-la em cima duma árvore. Escondia-se por detrás de
uma casa de cupim, mostrando somente a cara arredondada com as orelhas curtas.
A árvore alta e pouca potência nas lanternas deixavam incertezas: o bicho
permanecia imóvel, não se mexia para nada! Mas Téo, conhecedor desses assuntos,
garantia:
— Se ali não for ela..., não sei não!
O mais importante naquele acampamento insólito,
porém, não era a caça em si. Se estavam com espingardas era somente porque não
se vai ao mato sem ela. O intuito era o desafio de pernoitar ao relento, ao léu
em um lugar temível pelo acesso e pela distância. Esse era o escopo que os
quatro tinham em mente. Queriam mesmo era divertirem-se todos.
Quatro jovens, se bem Tonhão já houvesse alcançado
a casa dos cinquenta, a vida preservando-lhe a juventude e, também, um pouco
excesso de barriga. Um cara de corpo roliço, forte e alto, sem agilidade para
movimento, mas capaz de andar vários quilômetros diários. Do caminheiro só não
se podia esperar grandes saltos, e sua marcha, comparada à dos outros rapazes
no alto da vivacidade, era lenta. Mas quem ali senão ele, Tonhão, o cabra de melhor preparo físico? Sujeito
capaz de ir e voltar duas vezes ao dia do acampamento dos sem-terra, que fica
além do Pé-de-Serra, o sol e as ladeiras sendo-lhe adversários ferrenhos.
Enquanto que outros se mofam nos bancos dos jardins de Wagner, à espera de um
transporte, uma carona para Cachoeirinha, Tonhão põe-se na estrada em sua
marcha e quando percebe os treze mil metros a separar os dois centros já
ficaram para trás.
Todos esses detalhes a respeito das disposições
físicas do camarada, contudo, não nos interessam. Vamos contar os casos do
acampamento, da estadia no mato. Apenas gostaríamos que o amigo não fosse visto
como, dentre os quatro, o menos ativo. Quem foi o primeiro a se assustar e
escutar a mexida nas folhagens próximas? E quanto a seus dotes de animador!
Pagodeiro sem rival: no pagode de viola é chamado Tião Carreiro em homenagem ao
próprio. Soubesse aranhar uma violinha e seria sucesso!
Téo de nada disso sabia, mas não se impressionava
ao conhecer Tonhão: o cara não se deslumbra com qualquer coisa.
Quanto a este, vindo de Wagner especialmente para
acampar, pode se dizer que se destacou como cozinheiro. Sujeito de baixa
estatura, dentro do peso, forte, troncudo, parecendo um índio até na cor,
sendo, porém, um pouco mais claro. Ser de princípios bem definido, muito
obsequioso e de grande capacidade de renúncia. Este é o Téo. Dos cinco cafés e
dois chás saídos em menos de vinte e quatro horas somente dois não saíram de
suas mãos. Sem contar as "paneladas" de arroz, peixe assado, carnes e
tripas de porco. Interessante, o pano de apanhar e levar panelas quentes ao fogo
não era uma flanela, mas sim um alicate, ali para qualquer eventualidade e que
fez tremendo sucesso.
Somente isso de Téo? Não. Dos cinco presentes,
cinco sim, pois havemos de incluir o cachorro, era o cozinheiro quem mais
vontade tinha de caçar, fazer umas batidas, dá uma volta na redondeza.
Extremamente lamentável contar, mas o cachorro não estava muito para caça,
parecia meio abestalhado: numa grota onde se vacilar tropeça-se nas caças, o
cão acuou dois buracos vazios.
Parece ter sido Téo quem mais dormiu naquela noite.
Também havia acordado muito cedo e pedalado em sua bicicleta para chegar a
Cachoeirinha. Gute, vergonhosamente, havia acabado de acordar — via-se
claramente em seus olhos inchados — quando o aventureiro madrugador chegou.
Outro aventureiro é Berro, componente animador do
grupo, responsável pelo pandeiro e pela euforia geral. Seu físico: parecido com
o de Téo, porém mais alto, e moreno tendendo a negro; irmão legítimo de Gute,
se bem que para a história não interessa a distinção ou não de consanguinidade:
estavam todos em plena camaradagem, irmãos todos por assim dizer, apesar de Tonhão
e Téo conhecerem um ao outro há apenas poucos minutos.
Enquanto Téo e Gute dormiam no descanso da labuta,
os outros dois, incansáveis, puxavam pagodes de viola, repentes, serestas,
bregas e outros estilos como chula e reisado. O som ecoava no ermo. Às vezes Gute
pensava: "será o que é que os bichos estão achando de tudo isso?" Berro também tocava cavaquinho, mas seu forte era
o vocal, cantando de primeira e de segunda.
Gute, o magrelo alto, além de chefiar o bando, era
de presença instrutiva. Seu primeiro passo ao chegar ao local do acampamento?
Fazer um fogo objetivando um café. Segundo passo foi armar uma rede conectada
com cipós. Perfeito! Mais tarde ela cairia consigo.
II
Graças a Gute Téo foi pego de surpresa na véspera
por um telefonema e abdicando de outros afazeres, de compromissos sérios
assumidos, deixou a cidade. Quem Gute pensa que é, ligando já assim de supetão,
em cima da hora? Pensava. Soube, contudo, priorizar a missão. Acontece, seu Téo,
que o dia exato não podia ser marcado com muita antecedência. Necessitava-se,
para tanto, sair-se fora, ao quintal, olhar o céu: qualquer prenúncio de chuva
ou manifestação de trovoada seria suficiente para adiarem a ida. Mas, uma vez
decidido o dia, que era vinte de janeiros, chegou cedo em Cachoeirinha conforme
Gute lhe havia sugestionado: chegar cedo para descansar um bocadinho, porque
quem vai de Wagner a Cachoeirinha de bicicleta anda mais empurrando-a do que
montado e as ladeiras parecem não terem fim.
Depois de muita arrumação consideravam-se prontos
para a caminhada. Estava marcado para saírem impreterivelmente às nove horas,
para evitarem o sol alto, e mesmo tendo Tonhão esquecido de embalar e por na
sacola o filé da mistura, ainda tendo este voltado em sua casa para apanhá-lo,
conseguiram sair no horário previsto. Despediam do pessoal e todos pediam
tomassem cuidado:
— Se virem jeito de chuva, vocês correm para a
casa. Berro sabe lá onde é. — Disse o
velho apelidado de Ô, simplesmente Ô.
Berro não
tinha a mínima ideia de onde ficava tal casa ou de que direção tomar se
realmente viesse a precisar correr da chuva.
Tonhão entusiasmado, com as sacolas nas costas,
pedia a aprovação do grupo para a designação da empresa e de seus empreiteiros:
CABRAS DOIDOS DO SERTÃO. Gute corrige para "da Chapada" em vez de
"do Sertão". Muito haveria de acontecer, contudo, e a sucessão dos acontecimentos
daria um nome bem ajustado à tarefa, melhor não precipitarem-se. Como se viu
depois, o nome ORELHA DE ONÇA para o acampamento foi o que melhor se enquadrou.
Tinham os cabras tempo para tudo: De Cachoeirinha à
Lapinha é exatamente uma hora de caminhada, apesar de não haver pressa nenhuma
em chegar. Da Lapinha ao destino final, ao Capão, também em torno de uma hora,
devido ao íngreme relevo e às trilhas mal conservadas. Mais da metade da
primeira etapa vencida, Gute com um piquete no ombro e neste a alça da sacola
enfiada, sentia doer seu ombro. Uma maneira simples de eliminar peso foi
devorar umas bananas. Estava na hora! Útil além de tudo, pois o caminho
escarpado a esperar-lhes exigia muito potássio nas panturrilhas. Aproveitando,
enquanto comiam descansavam. Tonhão ficou em pé, encostado num mourão de
cancela. Gute contou, para admiração do grupo, ter visto há certo tempo uma
cobra criada mesmo ali atravessando a estrada, tendo que se desviar com sua
bicicleta num malabarismo improvisado para não passar por cima da sujeita.
Satisfeitos, casos contados, seguiram em frente.
Apontavam numa cumeada e a deslumbrante vista
panorâmica dizia o quanto ainda tinham que percorrer. Contemplavam a beleza da
paisagem acidentada, sem igual na Chapada Diamantina, acompanhada do fundo
musical do piado do zabelê. Para Gute isso era nostálgico. O zabelê, conhecido
na literatura também como jaó, ainda cantava como outrora. Mas o fato é que a
espécie vinha diminuindo aceleradamente, com tendência à extinção, tendo, é
claro, o homem como o único responsável.
Já na Lapinha, ao se aproximarem da casa-de-farinha
sentiram de imediato o cheiro da jaca. Esta estava dentro da casa, em cima do
forno de passar massa. É assim que funciona: tiram as jacas do pé, ainda verde,
mas já com pancadas fofas, e as põem dentro de casa, senão a peonada não as
deixa no pé, parecendo até que a estrada legítima se desvia passando por aquele
lugar. Essa turma costuma não dá vacilos; faz, às vezes, por pura malandragem.
A jaca mole de longe cheirava, atiçando os vermes
da barriga e mantendo de birra uma jumenta ali rebeirando a jaqueira que
irrompia no terreiro da casa. Essa jega, aliás, muito insistiu para participar
da roda dos cabras que circundavam a fruta, sendo necessário, de quando em
quando, darem-lhe um pedaço da casca para aplacá-la. Os titulares, com um
graveto buscavam os favos amarelos como o ouro e doces como o mel, tão doces de
arderem na boca; cuspiam em seguida o caroço numa fungueira infernal do cansaço.
Ainda na roça — casa, sombra e água fresca —, Berro teve a ideia formidável de atirar em tábuas.
Muito correto, uma vez que três espingardas precisavam ter seus carregos
renovados. A de Gute, por exemplo, foi testada três vezes e a espoleta não
detonou, bastando substituí-la para se ouvir-se o estampido. Com a tábua a oito
braças atiraram Berro, o mais afoito, depois Léu e, por fim, Tonhão. Quem muito
acertou, meteu dois caroços de chumbo chorados na madeira. A espingarda de Téo ainda
embutiu dois tiros e quando isso acorre normalmente se perde o tiro, não acerta
a mira, e desta vez não seria diferente. A arma de Tonhão é uma cartucheira
calibre trinta e seis e com ela atingiu o alvo. O mesmo fez Berro com a sua cano-fino: espingarda doce, antes
de o dedo tocar no gatilho o feixe já a dispara.
A espingarda de Gute é uma socadeira das antigas,
inveja em toda a redondeza, a mais famosa na região. Seria puro egoísmo da
parte de seu dono disputar com seus amigos com o alvo àquela distância, e, por
isso, provido do senso de humildade, distanciou o alvo para muito mais além,
mais do que o dobro da distância a qual se encontrava antes. Téo chegou a
murmurar algo do tipo "para onde está indo aquele atoleimado", apesar
de conhecer amiúde a história daquele cano. Não foi nada! O atirador da vez
arrastou o dedo e, a verdade seja dita, puxou a cara para o lado temendo que
alguma fagulha saísse pela culatra, pelo "vido". Os cabras viram e
foi até vergonhoso. Tonhão e Téo sequer podiam imaginar o ato. Então era esse o
caçador de muitas caçadas, o experiente que tem até medo de atirar? No clube
dos grandes homens, matutos selvagens, caçadores por excelência e atiradores
traquejados na coisa Gute não se enquadrava. Não depois dessa. Gute, cuja
fidelidade às suas raízes era tão consolidada, vacilava numa demonstração de
medo. Medo tolo, como disse Téo. Berro fazia
gozação, mas compreendia e até achava correto: antes prevenir do que remediar,
dizia. Gute, arraigado em suas convicções e teimoso feito um burro, não se
empenhava em se defender. Mas deixar a cara ao risco em um tiro à toa com esse
tipo de espingarda, ele mesmo não. Gostava de seu rosto, era o que tinha, e não
queria vê-lo fragmentado à pólvora. Atirar em caça é diferente, não se pensa
duas vezes; quando dá fé o tiro já saiu numa reação súbita, numa agilidade
inerente à pessoa: mal se lembra do pinote ou coice que a arma pode dar, ou nem
se dá conta quando o mesmo acontece.
Nesta tentativa a espingarda falhou.
—Tá vendo se fosse de frente com a gata? — Disse Gute
referindo-se à onça. Duas tentativas mais e..., nada!
— Ai já era! — Profetizou Téo.
Trocada a espoleta, os cabras só observavam,
aguardando. Berro ria do receio bobo de
Gute, ao passo que absorvia experiência de vida. Enfim, sem medo, um tiro
ensurdecedor. O ouvido do atirador ainda zunia quando lhe trouxeram a tábua
para exame e averiguação: cinco furos foram constatados e uma fenda no meio
tendia a separá-la em dois pedaços.
Com essa aqui eu durmo até no Tingui! — Exclamou
comemorando o feitio.
O Tingui fica muito além do Capão, mais longe de
tudo e de todos, portanto. Os planos para um próximo acampamento era justamente
desafiar aquele lugar. O Rio do Tingui já se constituiria numa vantagem se
comparado ao Capão, onde trechos do córrego ora tem água, ora só tem lama ou
nem isso se a nascente ficou mais abaixo.
Se até da espingarda já falamos, devemos lembrar
agora do cachorro, porque, embora não tenha sido o protagonista, nele residia a
mais digna confiança. Seu nome é Tá-Riscado, nome engraçado, consequência do
fato de ter estado em risco de morte quando ainda novinho. Agora, gordo e sem
caçar, agonizava no calor. Vira-lata grande e bonito, só lhe faltou a vocação
para caçada: se achasse acuava. Acuava também sem achar, como ficou por mais de
uma vez provado. Na volta para casa, na tentativa de redimir-se da má fama
recém adquirida, achou um filhote de teiú — ou teju, como preferir —, e foi
somente. Estivera, há alguns meses, fino como um bodoque. Contavam-se os ossos
da costela e bambeava ao caminhar. Não se sabia a causa de tanta desgraça com o
pobre coitado, mas culpavam a olho gordo e mau olhado de gente interesseira.
Nem mesmo o óleo-de-pau, o da copaíba, que faz morrer ou melhorar um infeliz,
dera jeito. O milagre viera com uma injeção comprada e o bicho agora cheio de
banha caminhava escondendo-se à sombra, por vezes arrancando o chinelo de um ou
pisando no calcanhar do dono. Aconteceu de um sujeito de nome Luciano, boa
gente, programado para ir com os aventureiros, e que levaria uma verdadeira matilha
para caçar com o cachorro de Berro viajar
na véspera, desfalcando a equipe. Devido a esse imprevisto Tá-Riscado caçou
sozinho naquele mato estranho.
III
Beirava onze horas da manhã quando deixaram a
casa-de-farinha, a velha cas' farinha. Era subida dai até a vertente da baixada
de destino e o peso acrescentado da água distribuído em garrafas plásticas os
fazia penarem no trajeto. Era Gute quem ia à frente e quem decidia quando
descansar. A cada parada um sacrifício para Tonhão tanto para arriar a carga
quanto para elevá-las às costas. Seguiram vereda acima, deixaram a cerca e
trilharam pela picada. No meio da ladeira existia uma parte plana, uma espécie
de patamar gigante e ouviu-se de Tonhão a proposta, meio que convite, para que
ali mesmo montassem o acampamento. Muito ainda faltava para chegarem ao
objetivo final, metade da extenuante escalada e os outros três argumentaram o
contrário: Ali!? Lugar sem graça, sem beleza e sem perigo!? O cabra prontamente
retificou-se, antes mesmo que desconfiassem está ele querendo livrar-se do
restante do percurso difícil, pedindo arrego.
— Eu sei lá! Vocês aí é quem sabe. — Disse.
Muito boa a pilhéria.
A festa começava com o cachorro escorraçando, logo
na entrada, uma cutia, obrigando os cabras a tomarem posições estratégicas.
Gute ia à frente doido para ver uma caça. Téo logo
atrás reclamando das voltas desnecessárias que o caminho fazia. Berro no encalço e Tonhão um tanto afastado, no
enfaro de tanta caminhada, mas bastava fazer silêncio e podia-se ouvir sua
marcha. Parecia um soldado: uma sacola gasalhada às costas como se fosse uma
mochila e outra na mão. Sem agilidade para envergar-se para defender-se dos
garranchos altos, tinha a atenção redobrada, porque também no chão os tocos e
cipós podiam ser-lhe traiçoeiros. Andavam em silêncio, cansados e fadigados.
Foi quando se ouviu ganidos.
Tá acuado? — Gute indagou a Berro.
—É! — Berro respondeu num fôlego.
Foram lá e estava o cachorro a ir de um canto a
outro, de focinho no chão: acuado coisíssima nenhuma. Nas folhagens, pegadas de
veado. Azar! Queria tanto que fosse uma caça acuada para um entretenimento! Berro,
que é dono de Tá-Riscado, conhecedor de cada latido e gesto seu, prognosticou
errado: não distinguiu o ganido do cachorro correndo do gemido que indica está
acuado.
Isso é absolutamente normal. Muitas vezes a vontade
predomina e vemos a coisa como gostaríamos que realmente fosse, na esperança de
que se torne verdade de fato; e era grande o anseio em cavar um bicho. Acua
pesteado!
Prosseguiram discorrendo sobre assuntos triviais. Téo
se esquivava plausivelmente de uma piada maliciosa, atento às induções do
contador. Berro, com um saco volumoso em suas costas, se visto de longe seria
dado como um doido, um desmiolado. Gute, graças à colaboração de Téo, teve sua
bagagem reduzida e a dispôs de forma a ter suas mãos livres, crucial para se
ter uma boa performance com a arma.
Enfim no assentado a descambar para a baixa do
Capão. Suscitaram o papo antes deliberativo, mas agora decisivo: qual o melhor
lugar para acampar? Uma árvore imensa na vertente era assaz chamativa, lugar
limpo e tranquilo; daí para frente via-se somente cambaúba — capim que lembra a
tacoara — entrelaçada por carreiros de tatus diversos, de caititus, de quatis,
de onça e de outros bichos do lugar. A mata se adensava à medida que da aguada
se aproximava. Não pretendiam os cabras, contudo, estabelecerem-se embaixo de
uma árvore dominante como aquela em vista, pois poderia tomar-se perigosa em
caso de relâmpagos, segundo Gute. Ainda observaram sua fronde, e, por olharem
para cima quase perderam a picada, tendo que torar mato no peito para
reencontrarem-se com a trilha.
Berro estava,
porém, decidido: o local seria aquele onde um dia fizeram café, perto do
lameiro. — Vambora! — Pedia pressa.
O lameiro é a nascente do córrego, onde em dias
secos de verão os caititus vão se refrescar. Nesse ano chuvoso, entretanto, o
lamaçal em vez de somente lama corria água. Todavia não sabiam, por isso não se
pode dizer que foi inútil a água engarrafada que trouxeram da Lapinha, até
porque no processo de captação da água do córrego esta se misturava com lama,
sem contar que já a caracterizava o gostinho amargo de folhas podres. Assim,
para beber, era preferível a água que trouxeram, especialmente a de Tonhão, vinda de Cachoeirinha, três litros, mineral
isenta de qualquer impureza. A água do córrego ficaria, então, para cozinhar e
lavar.
A decisão foi, por fim, adentrar o Capão e acampar
ali, no sopé da rampa, em conformidade com a pretensão do apressado Berro. Dali
se ouvia o barulho do humilde fio d'água. Naquele mesmo local há dois anos
dava-se notícias de uma onça e atualmente muitos eram os vestígios: pegadas e
excrementos compostos de pelos de quati e de cascos de tatu foram vistos há
algumas semanas. Por isso, está ali sabendo que logo mais a noite desceria,
dava aos aventureiros aquele ar de adrenalina.
Chegado ao
local exato surge um pequeno problema: só havia rampa; nada era plano. Como
dormir em semelhante lugar? Prescindiam, decerto, de qualquer conforto, mas o
lugar era terrível! Garrafas rebolavam; um coco-da-baía descascado, ali de
suprimento, desceu ladeira abaixo, e por sorte não se perdeu na cambaúba, que é
um capim de folhas grossas e cortantes, cano grosso que quando quebrado corta
que nem uma navalha se iguala.
Aquele momento
imediatamente posterior à chegada Gute o qualificou como o mais emocionante,
talvez por ter chegado de uma caminhada infindável. Agora, todos bem dispostos
a levantarem um barraco, mesmo rústico, que os abriguem retendo o sereno da
noite. A matéria-prima consistia de paus, galhos e ramos. Gute, com uma visão
rápida e precisa, concluiu por um rancho beira-chão: exatamente, a parte
traseira da cobertura apoiar-se-ia no chão, não abrigando, por esse motivo,
ninguém em pé naquele lado. Mas na parte da cumeeira — lembrando que havia
somente uma "corrida d'água"— era alto o suficiente, ainda mais
devido à inclinação do terreno, que nesse caso, e somente neste caso, diga-se
de passagem, trabalhara a favor.
Em meio a tantos improviso e privações, que fique
claro de uma vez por todas que: se há alguém incapaz de imaginar e sentir o
cheiro dos arbustos, cavacos e folhas em apodrecimento; que tenha pavor a
formigas, lacraias, cobras, pernilongos e escorpiões, que não leve a história
adiante, porque não haverá gosto nenhum. Ao demais, não lamente pelo pano de
cozinha, ou pela água de má qualidade que beberam no segundo dia. O importante,
e isso já foi esclarecido mesmo entre os membros da equipe, não era a caça ou
caçada. Naturalmente que se surgisse uma carnezinha seria bem vinda. Não eram,
no entanto, caçadores ali. Queriam sim a aventura, o prazer de se está fazendo
algo extraordinário; e melhor que isso, melhor que aquele acampamento, semente
um outro mais demorado, com mais perigo, com cintilações no céu ou chuva de
invernada. Não lamente, porque em nenhum momento os bravos o fizeram. O que
poderia de fato dá errado? Um pé d'água inesperado numa desventura apagar suas
fogueiras; uma serpente venenosa à meia noite picar o cachorro, o guarda
noturno? Bem, se a gente for pessimista e pensar em tudo que eventualmente pode
sair-se em desconformidade a gente não sai de casa. Não é verdade?
De início Gute argumentou contra a ideia de
levantar um abrigo em terreno tão desajeitado para se repousar. Não recordava,
contudo, nenhuma clareira apropriada nas proximidades, não apresentando, desta
forma, qualquer alternativa. Ainda, dois paus naturalmente fincados pareciam
simplificar o trabalho, duas forquilhas ideais. Três contra um na decisão, ou
melhor, quatro: porque o cachorro curiosamente já havia cavado as folhas e,
depois de ter dado uma volta e meia, deitado, via-se logo ter adotado o lugar.
Restava ao Gute aderir-se ao grupo.
Ficou um barraco bom, embora meio troncho. Via-se
na expressão de Téo, que suava incessantemente. Para ele, uma pena não ter sido
empregada palha de coqueiro. Fosse em sua terra, um lugar de nome Rodeador,
situado além de Wagner, próximo ao Arrecife, antigo Gambá, este último já em
município de Lajedinho, palha não faltaria, porque coco licuri lá é a vegetação
natural. Mas mesmo sem a contribuição das palhas de coqueiro a cobertura podia,
mesmo de ramos e galhos, reter chuvisco. Vedado o fundo e o oitão do lado
norte, Gute pronunciou e obteve apoio: não seria necessário fechar o segundo
lado, sendo imprescindível à noite uma fogueira também naquele lado.
Havia desde o início um fogo à frente de onde das
mãos de Gute saiu o primeiro café. Uma tora encontrada na beira do córrego foi
posta à beira do fogo de forma a evitar que a terra deslizante encobrisse as
brasas. Uma casa de cupim foi cortada e trazida para apoio da panela: na
ausência de uma pedra, esta foi a trempe.
Enquanto trabalhavam, Gute, revivendo os bons
tempos de traquina e sem juízo, subiu em uma árvore, mostrando sua agilidade.
Esta estripulia fazia parte da diversão. Lá estava ele, esbelto e torto feito
um macaco escanchado no tronco do murici.
A essa altura a araponga, pássaro misterioso,
enfeitava a tarde com seu piado que lembra tinido de marteladas em metal,
mostrando que a solidão tinha lá suas belezas. Sabiás, jurutis e cancãos
completavam a festa.
As ferramentas à construção compunham-se de três
facões, e um enxadete. Um desses facões foi achado naquela manhã na Lapinha e
seu proprietário ainda era desconhecido. Certamente gente esperando paca o
havia perdido. Muito amolado, Gute era quem o manejava. Este amarrava cipós
para fixar os caibros. Estava sério, mas ria-se por dentro.
E foi assim que o barraco se ergueu. Tonhão, acostumado na lida com sem-terra, era exímio
nesse tipo de improviso, dava entender que sabia. Se seu facão era
vergonhosamente cego, ruim de corte, devia-se somente à ausência de uma
pedra-de-amolar. Outrora o sujeito seria desqualificado por isso.
Depois de pronto o rancho pesava na
consciência o fato de terem que desmanchá-lo no dia seguinte, o que se faria
bastando cortar os cipós. Tonhão cogitou deixar em pé a construção rude, porém
em terreno alheio, constitucionalmente inviolável, não seria correto. Gute foi
decididamente contrário à ideia, pois podia abrigar caçadores e não era essa a
intenção. Aliás, só o fato de estarem ali já podia dá o que falar na boca dos
leva-e-traz e dos bajuladores que metem a faca e deturpam a imagem dos
propósitos alheios. Passasse um infeliz e reparasse em tão belo barraco,
notasse animação tamanha; em seu entorno um sujeito alto e forte gesticulando
como a dar instruções, reconheceria no cujo, Tonhão, um líder nato, aquele que organizou os
Sem-Terra do Pé-de-Serra, sem dúvida futuro vereador em Cachoeirinha e lídimo
representante; isso seria o bastante para o invejoso botar a boca no mundo,
anunciando invasão do Capão, pelos sem-terra, aumentando de quatro elementos e
um cachorro, para uma cambada de quatrocentas famílias. Por essas e outras,
melhor mesmo seria destruir a casinhola e qualquer feitio. Deixasse qualquer
"filho-da-puta" vir a fofocar, fazer intrigas e ser descoberto.
IV
Já arranchado, Gute saiu ara investigar o ambiente.
Precavido, deixa uma picada por onde passa. Poderia, quem sabe, ser aquele o
percurso da noite para quando estava marcada uma excursão rampa acima pelos
fundos do abrigo. Demarcava com corte nos paus, lavrando sua casca deixando uma
cicatriz. Em certo ponto, notando que já estava suficientemente longe, já a
descambar de volta rumo à Lapinha, para e assobia. O sol brilhava, mas a mata
era fresca. Ouvia-se ao longe roncos de motor de carro meio que perdido no ar.
Ou seria uma mamangaba ali de passagem? Remedou uma zabelê e ouviu responder
não tão distante um cantado fino, trêmulo e descompassado. Só podia ser Téo,
que, entrementes, pegara o carreiro de voltar para casa, empenhado ele também
numa sondagem nas adjacências. Agora, algo azul no meio das folhagens chama a
atenção. De perto, um boné em mau estado. Fura uma casa de cupim, esculpindo
olhos, boca e nariz. Na boca deixa um garrancho espetado, e com o boné estava
formado o boneco de charuto na boca. Notava a partir daí ter entroncado numa
trilha de caçador profissional, encontrando também a explicação para tal
chapéu. O zabelê fanho de cantado trêmulo começava a se afastar: realmente as
duas veredas não se cruzavam. Mais um golpe para demarcação do carreiro, mas
dessa vez ouve um chiado grosso e fica abestalhado enquanto não interpreta
aquilo. Ao levantar as vistas dá conta de uma casa de maribondos pretos, que
enfezados pelo golpe em seu galho, desentocam-se com asas vibrantes fazendo uma
zoada de cachoeira, e alguns já voando em derredor. De súbito susteve a
operação. "Onde eu ia me metendo?", pensou, ciente de que bastava uma
ferroada para causar-lhe febre e dor de cabeça, sem contar a dor e o inchaço no
local da picada. Sendo no rosto, então, o sujeito fica até engraçado, com um
olho miúdo como quem está fazendo mira, ou um beiço grande, rindo à toa; e os
amigos não deixam passar, matam na gozação. Reparou bem o lugar para evitar
deparar-se com esses bichinhos à noite. Reparou também uma árvore grande que
podia servir de referência mais tarde, quando à noite saíssem para um
entretenimento. Malandro, começou de longe a arremessar paus na colmeia, que de
aspecto cinza, escurecia. Andou um pouco mais e Tá-Riscado acuou um buraco.
Escutou se algo cavava: quieto! Deve está fundo, concluiu. Teve o trabalho de
cortar um pau, elaborar uma cunha e por o cabo no enxadete para depois de
algumas enxadadas topar com o fim do buraco, vazio, diga-se de passagem.
Ensaiou alguns passos de volta. O cachorro já sabendo o caminho antecipava o
pensamento do aventureiro e, saliente, saía no trote. Nem motivo de uma caça
sequer: nem um tatu, jacu, ou aracuã. Quando caísse a noite ele voltaria ali e
daria o troco: era questão de defasagem de horário, pensava.
Quando alcançou os outros três, esses já haviam se
alimentado, mal, para constar. Téo ofereceu-se por mais de uma vez para preparar
outro café caso aquele da lata fosse insuficiente; tinha consciência da vocação
de Gute para o consumo do produto. Entretanto não carecia, havia café de
sobras. O retardatário comeu e deu uns restos para Tá-Riscado.
Brincaram muito naquela tarde. Téo ainda não
satisfeito, de casa pronta, queria ser homem primitivo: tentou fabricar um arco
e uma flecha, desistindo bastando o primeiro empecilho. Gute, confortado na
rede, numa moral de cachorro magro, mostrava-se fingidamente desinteressado às
astúcias do amigo. Tão logo Téo desiste da tarefa primorosa o invejoso a
começa, mas o cipó do arco não suporta e se rompe. Declara-se vencido: houvesse
embira ali e seria barbada! Téo, agora motivado pela disputa, confeccionou um
arco enorme, arcão de primeira, mais alto do que o atirador, inclusive, embora
isso não signifique muito, visto não ter o cara essas estaturas absurdas. Com o
arco lançava flechas para o lado de baixo da rampa, pois assim teria maior
alcance, conhecedor dos princípios físicos da coisa, assim poderia, quem sabe,
até impressionar a Berro e Tonhão, a essa hora sentados a conversarem. Um milagre
Tonhão está sentado, preferia sempre ficar em pé. Gute preparava dois fachos de
candeia e chuços para possível emergência. Viu quando Téo acertou uma flechada
numa casa de cupim, a flecha ficando espetada no cupinzeiro. Sensacional!
Modesto, o primitivo não cobrou dos amigos o reconhecimento do feitio, o reverenciamento
de sua perspicácia.
Assim era Gute e Téo. Amigos desde o ginásio, onde
numa disputa saudável encabeçavam suas turmas. Dez anos eram passados, ambos
agora acadêmicos na capital, aprendendo a construir para edificar o futuro do
mundo. Tinham nesse mês de janeiro uma baita de umas férias, o que justificava
qualquer meninice tal como subir em árvores ou construir arcos e flechas. E o
barraco? Desde quando quatro homens necessitam de um barraco para passar uma
única noite na selva? Dorme-se no meio do relento, alimentando-se à base do
deus-dará. Mas os cabras não! Estavam ali por diversão: se algo se tornasse
obrigação, e exemplo de ter hora marcada para chegar, comer e dormir —
valha-nos Deus do céu, hora pra dormir!? — Gute com certeza ali não estaria.
Quanto à choça, só podia ser resultado desse espírito de brincadeira, que
habitava desde o mais moço, Berro, ao mais velho, Tonhão.
Naquela tarde de diversão uma atriz linda e famosa
na capa de um caderno sorria maravilhosamente para os acampados. O que fazia
ali tal objeto? Ora, se baixasse em alguém os dotes literários haveria de ter
papel e lápis para consignar a obra, que podia ser uma moda de viola, uma
poesia, uma música, uma porfia em cordel, ou sabe-se lá mais o quê. Esse
acampamento, aliás, foi marcado com versos — fuleiros, é verdade —, bem
intencionados, porém nada realista. Um autor foi Berro, que insatisfeito em
somente relatar em rodas de prosa as emoções que sentira na pele, quis
compartilhá-las em versos. Assim, meio descompassado, cada estrofe narrava um
episódio.
“A
fome depois chegou
E
fomos cuidar do rango.
Tá-Riscado
acuou
No
buraco do calango.
"Pouco
tempo escureceu
Veio
história de terror.
Gute
logo adormeceu
Dizendo:
pare esse horror."
Gute, se bem houvesse esmorecido, nada de concreto
foi manifestado referente às histórias de terror.
Outro que evocou os dotes de poeta foi Tonhão, que, em suas linhas versificadas escritas
também semanas depois, trazia Gute como "o angelical". Anjo da guarda
foi o que quis dizer, porque as decisões sempre passavam pelo "anjo",
que esbanjava conhecimento de técnicas de segurança e sobrevivência na selva e
tudo o mais.
Com os dedos despelados pela labareda e clamando
não ter sobrado nenhum pelo nas costas das mãos e dedos, Téo, sentado na rede,
arriscou umas notas no cavaquinho. Sucesso!
Tonhão lastimava por não ter trazido seu
rádio-a-pilha, o havia deixado no barraco dos Sem-Terra por uma simples falta
de planejamento e não se conformava com isso. Já Berro a todo o momento trazia à memória a
necessidade de uma câmera fotográfica, também útil e ausente.
Mas, como diz o poeta, "nasce o sol e não dura
mais que um dia", verso sublime do cognominado "Boca do
Inferno". Davam conta da veracidade de suas palavras quando os raios
tênues, oblíquos e em tons amarelados da tardezinha tocavam somente a copa das
árvores mais altas. Jamais um anoitecer havia tido tanta relevância. A
passarada, destacando-se sabiás, cantava seus últimos cantos para logo se
agasalharem. Era a noite que se aproximava do Capão, com toda a sua força e
seus enigmas indecifráveis. A hora esperada: o desafia era justamente a noite,
e essa implacavelmente os apanhava. Não se era mais possível desistir caso
assim alguém desejasse.
V
Concluída a choça, cedo ainda da tarde, Téo providenciava
o rango com improvisos e riscos frente à ausência de uma trempe. A labareda
lambia a panela e chamuscava a mão do cozinheiro. O cheiro da cebola frita e
queimada atiçava a fome, mas na situação em que se encontrava a caçarola muito
os preocupavam: em equilíbrio instável, podia entornar todo o arroz a qualquer
momento. Um pedaço de cupinzeiro moldado feito tijolo — a essa altura já não
havia mais cupins — não agasalhava bem o recipiente, necessitava, pois, de um
negócio, segundo Téo. Referia-se a uma trempe. Para Gute, bastava-se fazer uma
cava; e após o cozinheiro retirar a panela preta e enfumaçada por um instante,
o outro com o facão ajeitou o fogão, conformando o apoio ao fundo da vasilha,
trazendo conforto ao ambiente. Cabra esperto esse Gute, merecedor de todos os
encômios, sempre com boas iniciativas. Foi dele também a ideia de utilizar o
alicate para manusear as panelas quentes. Fazia tudo naturalmente, não se
vangloriava nem desfazia de ninguém. "A coruja é quem gaba o toco",
modesto, soltava esse jargão.
Uma coroa de bicicleta, que seria a trempe, foi
cogitada para a próxima vez. Gute agora aperfeiçoava o circuito de uma lanterna
enquanto o arroz fervia.
Não faltou foi papo: de natural discutiam esporte,
sobretudo futebol e automobilismo. Cerimoniosos, ninguém se contrapunha a
opinião do amigo. Resguardavam-se em opinar e ouvir, salvo por Tonhão que
preferia ter somente seus casos escutados.
Gute, sentado a fazer as iniciais do seu nome — GC
— na casca do murici a sustentar o barraco, puxava prosa. Chamava para a
discussão a proeza de a cutia cortar com perfeição um coco licuri ao meio. Para
Berro, o mais engraçado era um bicho originar-se dentro desse mesmo tipo de
coco: como pode se o danado é todo fechadinho? Já Téo, bom entendedor no
assunto "coco", perguntava pela rapadura para mastigar com um
coco-da-baía que vira rolando por aí. Muito bom é coco com rapadura, dizia,
pedindo que experimentassem.
Falar em rapadura é lembrar Pé-de-Serra, lugarejo
de tradição na produção do doce, melaços e cachaça. Por aquelas bandas estavam
acampados os sem-terra, tendo Tonhão como seu principal representante. Então
vinha o cujo agora narrar suas participações em importantes assembleias
pertinentes ao meio.
Assim, assunto puxando assunto, o papo fluía e a
tarde passava.
Daí, no limiar da noite, já lusco-fusco,
trajaram-se para uma volta ao mato: calça, sapatos e blusas. Téo mais uma vez
era a personalidade: parecia cantor sertanejo, com calça e blusa de mangas
ambas curtas e apertadas. Berro, muito gozador, não deixava de fazer seu
comentário hilariante levando todo o grupo às gargalhadas. Em seguida, com
enxadete em mãos, Berro assobiava a
Tá-Riscado dando-lhe prestígio. Tonhão o estrumava dando-lhe encorajamento.
Lanternas nas capangas, espingardas,... Lá se foram.
Não foram longe e não precisava. Era na beira do
córrego que a bicharada morava e ali já estavam os desafiantes da noite.
Escureceu completamente, e Téo, cutucado por Berro, queria avançar mais,
afastar-se do posto central, do acampamento; e, impaciente por esperarem uma
atitude firme de Tá-Riscado, pararam observando a escuridão, a noite a
silenciar-se; cada grilo com seu cantado mais exótico. Na baixada sapos
coaxavam. Encontravam-se os cabras doidos do Sertão no fim de uma picada quando
ouviram latidos.
O cachorro trabalhava firmemente. Com as mãos
cavava e com a boca quebrava raízes. Berro
e Téo verificaram, escutaram, repararam..., e nenhum barulho vindo de
dentro do buraco. Cavaram com o enxadete. Berro, reclamando da má iluminação,
cobrava mais entusiasmo, discretamente, sem ofender; não podia simplesmente
tachar ninguém de mole ou de morto. Gute, com cautela, providenciou um fogo
para clarear, aquecer e dar segurança ao ambiente. Curioso é que, por deslize,
só havia quatro palitos de fósforo ali no momento e somente no último o vento
permitiu, "graças a Deus!", que o facho queimasse. Cavavam Berro e Téo e a suspeita de está o buraco vazio
era grande, até porque o cachorro não persistia, ao contrário, deitou afastado.
Isso já havia ocorrido à tarde quando Gute volteara a vizinhança e o cachorro
começara a cavar um buraco que não prosseguia, numa verdadeira maçada.
Tonhão, desta vez agachado, era quem segurava a
lanterna e focalizava de longe a toca do tatu. Isso até Berro puxá-la abruptamente de sua mão:
necessitava, pois, de mais claridade. E Gute o que estava fazendo que não vinha
dar uma demão, ajudar a cavar e jogar a terra cavada? Ficava ali na beira do
fogo, parece que estava com frio?! Berro
pensava. Para esse jovem, o momento era de máximo frenesi, mas Gute e Tonhão
estavam apáticos, sem reconhecer que aquela era a hora do ápice da excitação.
Gute somente espiava o enxadete jogar a terra.
— Agora foi que deu! Parece que o buraco
acabou! — Exclamou Berro, confuso, pedindo a Téo que confirmasse sua conclusão.
— É. `Tava muito estreito também. Chega nem
cabia mais a mão. — Disse Téo referindo-se ao buraco ao passo que limpava o
suor do rosto com as costas das mãos e verificava o estado de suas unhas.
Téo, que jamais puxara um tatu pelo rabo, via
naquela ocasião uma oportunidade ímpar; claro que Berro entendidos desses protocolos deixaria. Ora
se... Seria uma desfeita. Mas..., e se não desse conta do recado? Receava Téo.
Isso sim seria bizarro. Desentocá-lo puxando-o pela cauda seria moleza, força
não lhe faltava, para isso era renomado em disputas de quebra de braço. Mas,
uma vez feito isso, o que fazer para matá-lo? Gute e Berro, experientes, tantas
e quantas vezes já fizera a ponto de terem suas mãos calejadas, aguardariam
enquanto veria ele, Téo, perdido e sem jeito, querendo livrar-se do bichinho
por não saber proceder. E se esse bicho o enfiasse os dentes? Parece ter ouvido
certa vez Gute dizer ter o tatu dentes afiadíssimos! Não seria melhor deixar
esse por conta de Berro e o próximo
quem sabe? O primeiro é muita responsabilidade, não pode deixar escapulir.
Téo divagava nesses pensamentos quando Berro anunciou o fim do buraco.
Consumado: fim do buraco mais uma vez, e nada.
Indignados, os dois cavadores fizeram um percurso rápido na esperança de que o
cachorro acuasse de verdade, Gute e Tonhão permaneceram sentados à beira do
fogo mantido a garranchos. Havia muita lenha boa, mas no escuro como saber qual
candeia está verde e qual está seca? Ouvia-se Berro e Téo, enquanto isso, quebrarem paus e
gritarem o cachorro. Esses voltaram logo, porém, desiludidos, guiados pela
conversação entre os dois da fogueira. Aproveitaram alguns minutos ali juntos,
como que com pena de abandonarem a claridade das chamas e substituí-la pela luz
fraca das lanternas. Sentiam frustrados pelos insucessos, sem saberem ao certo
o que fazer a partir dali. Não esperavam terminarem assim de mãos abanando, num
desfecho sem graça para aquele que devia ser o momento de diversão e ânimo. Gute,
não se sabe como, tinha certeza de que aquele buraco estava vazio, mas não quis
persuadir os colegas uma vez que o entusiasmo era grande. Berro agora entendia o porquê de sua indiferença.
Cachorro quando se encontra neste estado de
extravio o remédio é um defumador. O produto a queimar, no entanto, é segredo
de cada um. Mas é certo dizer que o dia da semana apropriado é a sexta-feira.
Há quem observa também, para o dia do defumador, as fases da lua, e
independente de tudo isso, o alho é peça fundamental. Vale salientar, ainda,
que cachorros quando são muito estrumados afobam-se, talvez querendo mostrar
serviço, podendo eventualmente, com isso, acuar calangos, caranguejeiras e
buracos vazios. Este pode ter sido o caso, visto que situados no fim do
caminho, os quatro cabras disputavam assobios ante a noite, como se o cão
estivesse a quilômetros de distância, mesmo sabendo está o danado logo ali
adiante. Tonhão e Téo ignoravam por completo esse problema — o de atiçar o
cachorro além do necessário —, não tinham conhecimento. Mas quem fazia bonito
era Gute, que não gostava de ficar atrás, com assobios dominantes inventados
ali no momento. Se há um defeito em Gute é querer ser o bom. Por isso
esforçava-se, em vão, para conseguir assobiar com dois dedos na boca,
especialidade de Téo: assobios estridentes e ensurdecedores. Berro preferia fazer graça imitando caçadores
amigos conhecidos.
O desafio agora era retornar ao abrigo: noite sem
lua, mata ora trançada, ora de chão encoberto somente de folhas das árvores
altas, e todos neófitos nesse assunto, sem experiência para deslocarem-se
orientadamente no mato escuro. Gute sabia que o menor vacilo poderia causar
complicações sérias, como entrarem num meio mais fechado, de difícil
penetrabilidade, ou até mesmo desorientarem-se todos e jamais encontrarem o
barraco. Já não havia fósforo nas suas capangas e fogo somente através de
truques. Não seria o fim do mundo obviamente, mas a diversão seria posta em
xeque. Téo não estava a par destes pensamentos tenebrosos quando pedia para que
avançassem mais. Não lhe vinha à mente recordação de causos, alguns inclusive
sobrenaturais, como o de um sujeito que entra na mata para dá um volta à noite,
roda meio mundo na tentativa de sair-se à rodagem, não consegue e acampa ao
relento, percebendo está a metros do caminho tão logo o dia amanhece. Mas Gute,
precavidíssimo como ele só, já havia secretamente em suas artimanhas articulado
planos para alcançar a choça mesmo que de olhos vendados, seguindo ou não um
carreiro. Parecia ser elementar: o casebre não ficava na nascente do córrego?
Então o que tinham de fazer caso fosse necessário era descer em direção à água
e a partir daí subir ou descer rente ao córrego conforme encontrasse água ou
não. Dessa forma o rego seria a referência. Sujeito manhoso esse Gute, de
grande picardia.
Gute guiou o grupo pelo mesmo caminho de ida. Uma
estrada, segundo Téo, tamanha era a abertura na floresta. Os cortes feitos nas
árvores visando à demarcação da trajetória pareciam brilhar com as lanternas e,
deste modo, depararam-se com o rancho. Berro
ficou encabulado: para ele, entretido na conversa, estavam ainda na
metade do caminho. Os outros ficaram pasmos também, pois o Gute até para andar
no mato escuro e desconhecido tinha vocação.
VI
Téo ressonava. Berro, Tonhão e Gute, este último
com o cavaquinho, cantavam. Imitavam vozes e gestos de tocadores de pandeiros
dos reisados conhecidos. Uma algazarra! Gute entregou-se e ao cansaço e à
sonolência e passou o cavaquinho para Berro, que o usou como instrumento de
percussão, por opção, pois mesmo canhoto sabia tirar um som. Como de praxe,
este engrossava a voz para cantar e fixava o olhar em algo, à moda a leoa
encarando a presa planejando o ataque. Mas com os cabras dormindo Berro desanimava: não disseram que iriam virar a
noite sambando ou cavando um troço? Quem sabe batendo mais forte o pandeiro
eles não acordam! Pensava.
Gute assusta-se mais tarde, ao escorregar ladeira
abaixo quando tentava se agasalhar. O som das serestas continuava. Téo há pouco
havia acordado e já atiçava o fogo. Era por volta das vinte e duas horas,
momento propício para outro café — o terceiro — e o jantar. Esqueceram-se, por
acaso, que nossos desbravadores ainda não jantaram?
Téo lançou a ideia de, depois da boia, darem uma
volta, quem sabe o cachorro dessa vez...
Gute estava tão confortado meio embrulhado, de
forma que a ideia de aventurar pelo mato e pelo escuro não lhe agradou muito. Berro e Téo buscassem compreender — Gute dizia —,
mas àquela hora não havia bicho andando. Continuou argumentando, lembrando aos
cabras que naquela beira de córrego o mato era muito trançado. Por mais que não
precisassem ir longe, era complicado. Será que seriam recompensados por
deixarem seu conforto e se arriscarem em beira de córregos, morada das cobras
venenosas? Lembrou ainda que matara certa vez uma caranguejeira que não tinha
mais tamanho, uma coisa esquisita carregando seu ovo por sob o abdome, com seu
ninho instalado em plena trilha do caminho de casa, logo acolá. Lembrou-os
também de que um cipó de tiririca cortara seu dedo quando somente o tocou de
raspão, ali pertinho da beira do córrego. Quanto tempo devia ter isso mesmo? Um
ou dois anos quem sabe. Se durante o dia não é fácil, então à noite nem se
fala. Nem tanto pelas caranguejeiras, mesmo com aquele ovo nojento e seu caminhar
macabro de dar arrepios, até porque uma vez no mato dessas coisas nem se
lembra. Abandonar, no entanto, o fogo e a claridade, somente com aquelas
lanternas esmaecidas, enfrentar o mato e o frio... Haveria necessidade? Mas por
lembrar necessidade, por que diacho estavam ali sem nenhuma precisão? O melhor
mesmo era cair no mato e completar a euforia. Será que Tonhão, que agorinha mesmo se embrulhara de pé a
cabeça, iria topar?
Como se viu, a ideia agradou muito menos a Tonhão, que ainda não havia descansado; e este
ratificava suas intenções embrulhando-se e aquietando-se em seu leito,
mostrando está de sua parte o caso encerrado. Não adiantava Téo reiterar a
proposta e Berro argumentar a seu
favor. Ah! Berro topou e defendeu seu
ponto de vista veementemente. Afinal, para que estavam no mato? Dizia. Ainda
brincaram dizendo que dois iam e que dois ficariam com propósito de garantir a
permanência da fogueira. Por fim, transigiram e ninguém foi.
Gute sentia, à essa hora, uma gastura nos dentes,
sem os apetrechos de higiene e tendo à tardezinha comido coco com rapadura —
combinação perfeita segundo Téo — desejava limpá-los, pois os sentia ásperos. Téo,
mais precavido, tinha uma escova na mochila, mas não havia pasta. Inclusive,
apesar de terem todos suados desde o início, Téo começando mais cedo ou do dia
anterior, ninguém sentia falta do banho. Para que se estar limpo no meio da
sujeira?
O cachorro já alimentado, deitaram todos segundo a
inclinação do relevo; as armas facilmente acessíveis. Téo tentou mostrar alguma
objeção em ser o cabra da ponta, o primeiro da fila, o que dormiria do lado
aberto, mas via-se facilmente está ele brincando. Gute mantinha uma lanterna
pequena no bolso, a capanga de munição dependurada no teto, tangível bastando,
mesmo deitado e de olhos fechados, erguer as mãos. Candeeiro apagado, lanterna,
facão e espingarda ficaram à cabeceira da cama. Cara prevenido! Somente
correição de formigas o tiraria dali, dizia.
Passava da meia noite, todos dormiam. Não
imaginavam a diversão a lhes aguardarem dali até o sol raiar.
De repente Tonhão acorda, ouve e fica a escutar na
noite soturna algo mexendo na rampa, beirando a aguada. Independente do que
fosse, passaria entre o córrego e o casebre; estes separados por algo em torno
de dez braças. Tonhão ficou sentado. O mexido se aproximava. Não havia mais
fogo, salvo pelas brasas que já não clareavam mais. Surge a dúvida:
"acorda os meninos?" — Para Tonhão os demais eram meninos. O barulho
era sutil e em meio ao silêncio da noite não se ouvia outra coisa.
O cachorro dormia profundamente, mas o observador
sabia que bastava chamá-lo, como se mesmo adormecido estivesse Tá-Riscado
de stand by. Cinco minutos passados e a mexida agora é praticamente
em frente ao barraco e estava perto! Sendo o único acordado, Tonhão sentiu-se
sozinho naquela brenha em plena madrugada e esse sentimento fê-lo sentir um
frio anormal, um arrepio. Seria medo?
Chamou Berro, sendo necessário cutucá-lo, não era
hora de falar alto com a onça ali bem em frente a eles.
— Escute só! Cochichou.
Berro acordou
perdido naquele mundo e agarrou-se à espingarda mais próxima, mas não tinha a
mínima noção de onde pudesse está o candeeiro e sequer se lembrou de lanternas.
Nesse sussurrar Gute acorda e ao passar o braço para apoiar-se e sentar-se
acotovela a coronha de uma arma. Pensou rápido. Tão rápido Berro lhe passou a arma:
— Aqui é a tua, porra! — Disse Berro baixinho, mas via-se claramente está
nervoso.
Gute prendeu a respiração para escutar melhor o
motivo nos garranchos próximos e inteirou-se do ocorrido.
É de hoje que eu estou aqui escutando, já tem uns
quarenta minutos! — Disse, Tonhão numa afirmação discutível. Tão discutível
quanto a afirmação posterior de que a fera lhe teria jogado um punhado de
terra.
Téo é acordado e também manuseia sua socadeira.
O segundo momento emocionante do acampamento:
quatro cabras de espingardas e lanternas apagadas metidas naquela direção à
espera que o tatu — para Gute tal bicho não passava de um simples tatu —
metesse o focinho e caísse na esparrela. Mas o danado passava já a essa altura
da direção do barraco, longe de qualquer foco, e só lhes restavam instigar o
cachorro. Este farejou os rastros, seguiu em ganidos estrondosos, mas voltou
logo em seguida para estranheza dos homens. Tá-Riscado acentuava sua falta de
prestígio.
VII
A animação recomeçava com o sono agora despertado.
Ouvia-se novamente o som ora alegre, ora entristecedor dos instrumentos,
enquanto Téo habilmente preparava um chá de folhas de laranjeira trazidas da
Lapinha. Gute reabastecia o candeeiro. Eram duas horas da madrugada e
programaram para depois do chá, em consenso geral, uma volta córrego abaixo.
Que diversão! Tudo na mais perfeita harmonia.
Mas, onde estaria o bendito alicate para tirar a
chacolateira do fogo? — Téo queria saber. Estaria decerto por aí; mas onde? Gute
e Berro mobilizavam-se e até dentro da
sacola o procura. Dessa sacola, aliás, o mais jovem retirou uns biscoitos para
ir com o chá, se é que toda a água fervente, enquanto isso, já não se havia
evaporado.
Olha ali, `tou vendo daqui um negócio brilhando
ali, parece que é ele. Aí Berros, onde você quase pisou agora! — Disse Tonhão a
Berro, com sotaque paulista, usando um plural.
Tonhão foi quem encontrou, enfim, o tal alicate,
que se achava quase que totalmente enterrado, sem, para tanto, mover-se do
aconchego de sua cama onde permanecia sentado com as pernas embrulhadas.
Téo punha conscienciosamente o açúcar na lata e
misturava. Berro lavou um copo de vidro
para retirar a borra de café impregnada. Gute somente usou o dedo para
desagregar a sujeira grossa e soprou forte: estava limpa, pois, sua vasilha. E Téo
poderia, por obséquio, lavar um copo para Tonhão e servi-lo?
O chá estava excelente e para Gute melhor ainda em
uma caneca de esmalte. Aquilo sim era vida, dizia!
Imediatamente após o chá saíram e deparam com a
verdade: o cachorro não quis caçar, não se afastou dos cabras. Constataram, com
isso, está Tá-Riscado covardemente com medo; não havia nele a vivacidade da
noite cedo. Com medo de quê?! Do mato? Do escuro? As suspeitas eram grandes e
os olhares iam de um a outro: minutos atrás ao investigar o tal mexido o
cachorro deparou-se com a onça, a temível. Para Gute não eram pisadas dela, mas
o cão a pressentira nas imediações quando saiu para farejar um bichinho. A
certeza, porém, ninguém tinha; a prova insofismável não havia. Somente as
evidências não negavam: são vários os casos contados de caçadores que dormem no
mato e dizem bastar o fogo baixar para a danada encostar, justamente como se
dera.
Sem cachorro não havia caçada e Tá-Riscado estava
em um momento atípico; os aventureiros não deviam forçar a barra, mas sim,
reconhecer a fraqueza do outro, mesmo sendo este um animal. Sim, porque o
cachorro é amigo e depois de, naquele dia, ter escorraçado uma cotia, um veado,
ter acuado dois buracos e ter assustado a onça — segundo Tonhão —, tinha mesmo
era que descansar. Não adiantava Tonhão estrumar, nem Berro querer entrar no mato trançado àquela hora
feia à espera de que tropeçassem em algum tatu. Para Gute, quem deveria andar
pelo mato fechado, por debaixo das tiriricas de três quinas e das cambaúbas era
o cachorro. Estaria pronto a fazê-lo somente, é claro, se o bicho acuasse algo.
Isto porque quando se tem cachorro bom, o dono senta-se a descansar enquanto
seu animal volteia vários hectares. Mas aquele ali não se afastava cinco metros
dos homens, mesmo tendo uma picada a seguir. Só podia está com medo! A peste
depois de estrumado e vendo que os cabras permaneciam em pé, parados sem
avançar, deitou ali mesmo e foi o fim daquela sondagem. Estavam a menos de uma
tarefa do barraco. Numa guinada de cento e oitenta graus voltaram ao abrigo. Verificaram
se ainda havia algum resto de chá-de-laranja na lata. — Será que ainda tem, Téo?
— Gute pergunta.
De volta ao abrigo, o relógio de Tonhão dando duas
e meia, chegaram lenha ao fogo. A lenha administrada por Gute desafortunadamente
ameaçava a se acabar, já estava na extra. Téo saiu-se fora do teto, pôs a cara
para cima e fez uma imitação grotesca de uivo felídeo, aparentando-se mais com
o piado do corujão-de-orelhas. O som ecoou mata adentro e foi assustar os
grilos nas folhagens, que se abrigaram embaixo de seus cavacos.
A iniciativa de reforçar a lenha foi de Téo, mas Gute
não somente o ajudou como fez mais: cortou um pau para alinhar na cabeceira
inferior dos ignóbeis leitos, evitando, desta forma, que deslizassem ladeira
abaixo. Deslizariam sim, mas ao fazê-lo seus pés tocariam o suporte e assim não
correriam o risco de cair dentro do fogo ou do córrego mais além. Berro,
inclusive, estava com esse sério problema, porque sua cama era apenas uma rede
estendida no chão; uma rede de plástico, lisa igual quiabo. Se é que podia
chamar aquilo de rede: um bagaço, trem frágil e curta. Se soubesse que era de
criança não teria trazido. Mas estendida no chão ela era a sua cama. Quanto a Gute,
esse pelo menos uns galhos forrou no chão para servir de colchão e abrandar a
dureza. O caimento do terreno muito incomodava. Eis o porquê de Téo convidar a
turma a desfazer a essa hora da madrugada suas camas para desbastar a terra da
cabeceira e jogar para os pés. Faltou foi lugar para tanta terra e folhas
revolvidas. A situação geral, no entanto, foi amenizada. Berro agradecia.
Terminada a agitação, uma calmaria totalizava o
silêncio na escuridão. Assim, perceberam que caíam uns pingos de chuva, os
quais respingavam esporadicamente na face desembrulhada dos cabras ainda a
conversarem sobre assuntos diversos, porém já sonolentos novamente. Pelo que
tudo indicava não choveria. Uma manta de névoa cobria a baixada. Longe do fogo
fazia frio.
VIII
Deitaram-se, então, depois de desmancharem as camas
para aplainar mais o terreno. A noite estava sendo sucesso, já tinham um caso
para contar: o caso do bicho que se aproximava quando já não havia fogo e a
escuridão predominava. Mexida sutil. Na concepção de Tonhão, a temível, a dona-menina, a gata, a onça. Tão
famosa, a bichana tem todos esses nome e apelidos. Gute não achou que fosso a
maria-canhota — o tapa ou munhecaço vem da mão esquerda — como temeu Tonhão.
Berro também, mas não descartou a
hipótese de ter sido ela: tudo corroborava para as suspeitas do pagodeiro de
viola, Tião Carreiro. Mas sabia que onça não anda ciscando, demorando mais de
quarenta minutos, como narrou Tonhão, para atravessar um trecho pequeno e com um
barulhinho daquele. Além do mais o que não faltava ali paralelo ao córrego —
lembrando que a caça subiu em direção à cabeceira do broto d'água — era
carreiro de tatus, trilhas grandes bem verdade, por onde passavam até
caititus. Isso, porém, constitui discussão para muitos dias ou para a vida
inteira. O que importava era que agora tinham um caso para contar ao pessoal
sobre sua aventura pelo Capão. Assim, podiam voltar a dormir serenamente.
O fogo os aquecia. Duas fogueiras: uma aos pés,
outra ao lado. Ao redor desta última, quando ainda cedo do dia, foram
instalados, debalde, bancos toscos para `quentarem-se ao fogo quando a noite
caísse. A fogueira nasceu e morreu e os assentos não foram inaugurados, talvez
por situarem-se mais afastado do barraco, ou por ser o interior do casebre mais
confortável, bastando-se com a quentura do fogo mais próximo, o fogo da labuta;
ou ainda pelo fato de nesses apoios terem que se sentar com as costas voltadas
para o mato escuro, ou, quem sabe, a combinação desses fatores. Por vezes a
fumaça infestava o abrigo, sufocando os cabras e tangendo os pernilongos. Ambas
as fogueiras do lado aberto. Os outros dois foram fechados com uma falsa parede
somente "para a danada errar o pulo". Era o que se dizia, brincando.
À tardezinha Tonhão havia, a título de divertimento, dito que o ideal para
defender-se dos bichos era abóbora assada. Deitados, colocaria os jerimuns
próximos à cabeça dos homens e quando a gata desse o pulo acertaria na fruta e
não em suas cabeças. O fruto quente lhe queimaria as mãos. Tonhão só não
explicou o que devia ser feito para manter a abóbora quente por tanto tempo.
Cabra bom de prosa, sempre arrancava de sua variada
experiência mais um caso. Dava notícias das mulheres solteiras, das descaradas
e dos chifrudos. Berro muito se
interessava pelo papo. Sabiam, porém, guardar as virtudes da descrição. Falava
também se seus planos de adquirir um violão, comprar um carro e mudar-se de vez
para o local do acampamento dos sem-terra. Alguns de seus casos eram
engraçados, como um intitulado de "dedo sangrento": um suspense de
uma voz ameaçadora de um sujeito ao telefone, onde o cujo se intitulava de Dedo
Sangrento e que em cada telefonema indicava sua posição, a qual, segundo contou
o Tonhão, variou desde um país da
América Central até o Paraguai, sendo que a pessoa ameaçada, uma senhora,
estava em São Paulo no Brasil. No final, a mulher era enfermeira e o sujeito um
paciente com um ferimento leve no dedo. Bom, os cabras estavam na Bahia, então
o suspense não metia medo. Em vez de terror, uma piada!
Gute não ouviu o desfecho desse caso. Estava
encabulado com um outro contado anteriormente: o caso do lobisomem, onde o
contador afirma tê-lo visto nas ruas de Cachoeirinha. Em sua narrativa ele
voava a meia altura e somente dois cachorros o perseguia fazendo um alvoroço
como se fosse mais de dez cães em vez de somente dois. Morcegão foi o termo
usado para apelidar a criatura.
Essa característica peculiar de ele voar a meia
altura Gute achava interessante, porque outra pessoa que também afirmava ter
visto há décadas tal ser lendário assim também o descrevera numa outra ocasião.
O cruzamento das informações causou-lhe certa cisma, mas não era uma quinta ou sexta-feira,
muito menos de lua cheia, sequer lua havia no céu. Ficou calado, não queria
reforçar o caso do historiador Tonhão, afinal tudo isso são lendas, riquezas do
folclore, puro mito. Mais real e ali presente, pensava, estava o candeeiro,
figura quase personificada da roça, fonte de luz predestinada a desaparecer
frente ao progresso aliado à vulnerável personalidade do interiorano moderno.
Maiorias desses casos contados se deram à noite
enquanto preparavam o café e a comida. Téo havia, mesmo atento à cozinha,
contado um caso que podia impressionar os demais e a ele mesmo por estarem
rodeados pela escuridão absoluta. Eis o caso debulhado: Está um sujeito à beira
de uma fogueira deitado numa rede e sozinho dentro de uma floresta. Do nada,
aproxima-se uma velhinha, vinda sabe lá Deus de onde, e senta-se também à beira
do fogo, encolhe as pernas, põe a cabeça sobre os joelhos, de frio cruza os
braços e fica ali. Como desfecho, o cara, pávido, aproxima-se da velha, a
empurra dentro da fogueira e abre na lapa do mudo correndo.
Findo o caso, Berro que se encontrava na rede a certa distância,
dela saiu — lembrando-se de levá-la consigo, pois seria sua cama — e adentrou o
barraco onde os outros se encontravam.
Era assim que a noite passava: um incrementando a
história do outro, dando novas versões, imbuindo-a ainda mais de misticismo.
Tonhão brincou:
— Já pensou se chegasse quatro mulheres aqui,
agora?!
Uma tá dispensada — Respondeu Téo, seguido
sucessivamente pelos outros.
Tão logo a hipótese surgiu foram dispensadas as
mulheres. Gute já havia formulado em sua mente quem seria a moleca, mas não
tinha chance para possibilidades reais ali: naqueles confins, um cafundó, uma
brenha, de onde sairiam quatro mulheres, senão como fantasmas dissimulando a
intenção de os assustarem?
Foram inúmeros os casos e se contar todos os que
vieram à cabeça, não se falaria de outra coisa. Por exemplo, famílias inteiras
nasceram e morreram ali, mesmo ali. Veem-se ainda hoje, mais à cabeceira,
árvores frutíferas pelos antigos moradores plantadas e conservadas pela
natureza; somente não produzem mais. No ermo, de repente, podia surgir barulhos
estranhos, pratos se quebrando, bebês choramingando no meio do silêncio. O
momento era mais que propício para isso. Por sorte não ouviram nada
sobrenatural, ou pelo menos não quiseram assim interpretar.
Ouviram sim, naquela madrugada, um urutau;
noctívago conhecido regionalmente como o "mãe-da-lua". O cantar desse
pássaro é tétrico, e irradia desprezo; um infinito clamor e melancolia. Um
apelo de quem luta pelo impossível, de quem reconhece a derrota e apega-se à
desesperança; um uivo de quem está cansado e não pode parar a labuta; um salto
de um precipício; um choro de arrependimento; um tormento ou uma calamidade
sentimental.
Uma metáfora que se assemelha mais a uma ironia:
que cansaço poderia ter um pássaro que passa o dia imóvel, dormindo camuflado
na ponta de um toco? Em labuta sim estava os aventureiro, embaixo de uma árvore
tentando alumiar um vulto que se escondia por detrás de uma casa de cupim. As
lanternas mesmo combinadas não davam o êxito. O bicho ficava imóvel; seus olhos
não refletiam a luz, mas a cara arredondada e as orelhas — orelhas de onça! —
não deixavam dúvidas a Téo que não hesitava em categoricamente afirmar ser a
danada. Seria a suçuarana ali no oitão do barraco acuada e sem saída. Quem
subestimou o cachorro dava conta agora de sua valentia.
A árvore era incomparável em tamanho num raio de
vários metros. Por ser assim tão alta, as lanternas não a clareava
perfeitamente, nem mesmo com a claridade do fogo transplantado para o pé de seu
tronco. Diz a experiência, uma vez feito um fogo a caça na árvore abrigada não
desce. Mas o que dizer dos bichos saltadores capazes de saltar e cair a grandes
distâncias ou de galho em galho nem mesmo chegar ao chão? Amanheceriam o dia
ali. Tonhão clareou seu relógio no pulso, iam dá quatro horas. Não tardaria o
sol a parecer e teriam luz com sobras na copa da árvore e também no chão. Bem
uma hora de prontidão e muita atenção.
IX
Voltaram do passeio em que Tá-Riscado mostrara-se
preguiçoso por sono ou por medo. Realmente o chá havia se acabado, só restava o
cheiro das folhas no fundo da lata. A fogueira ganhava vida, a luz difundia-se
e a mata clareava. Insetos atraídos pela claridade suicidavam-se nas chamas.
Uma garoa ameaçava a precipitar, mas nada sério. Recostaram. Berro sacudiu o pandeiro e Tonhão riu. Duas horas
e meia da madrugada, daria para tirar uma boa pestana. O pagodeiro dormiu logo,
Berro ainda se mexia, ali
desconfortado, na abstinência dos costumes rotineiros: diacho de cama, um
porcaria, pensava. Nesse momento a labareda fazia barulho e Gute ouviu por
detrás do barraco um pau quebrar. Coisa sutil! Comunicou a Téo, que disse também
ter ouvido, mas já sonolento e obnubilado, incapaz de suspeitar, muito menos de
tirar conclusões. Para ele, qualquer mexida frívola, uma folha caindo. Ele
dizia-se meio caído, então seus pensamentos navegavam por outras esferas.
Gute, o único acordado, tentou captar mais algum
barulho suspeito, terminando por adormecer. Em sono leve, acordou logo, por
causa de um pernilongo que se enfartava de seu tornozelo — a calça comprida não
encobria aquela parte. Neste ínterim, Berro
pede auxílio de Tonhão para atiçarem o fogo:
— Que nada, aí dá para amanhecer o dia! — Respondeu
Tonhão, sonolento, onde cenas do dia
anterior, algum pormenor qualquer da caminhada enfadonha, eram reproduzidas em
sua mente. Levantar-se e sair-se fora sozinho Berro é que não iria.
Via-se facilmente ser diversa a experiência dentro
do grupo: enquanto que um avaliava o tempo necessário para as brasas
reduzirem-se a cinzas, o outro, mais sensato, não queria permitir que o breu
tomasse o lugar por razões óbvias antes já comentadas.
Imediatamente ao despertar e coçar-se, Gute se
lembra de prestar atenção ao ambiente. A claridade de alguns minutos não mais
existia. Um tição em brasas se agasalhava. Ouviu um barulho proveniente dos
fundos da casa e já esperava por aquele motivo. O estralo ouvido assim que se
aquietaram, e que Téo também ouviu, deixou Gute mais vivo. Agora ficou
escutando, imóvel. Sutilmente o bicho avançava; outro menos perspicaz não daria
conta. Via-se seu mexido cada vez mais próximo. Gute nem sonhava em dormir
naquelas circunstâncias.
Tá-Riscado coçou-se e com isso o cabra acordado
percebeu que não estava sozinho. O cachorro encontrava-se a menos de um metro
deles, porém pelo lado de fora, ao fundo do barraco onde a cobertura de paus
amarrados, de galhos e ramos apoiava-se no chão. A escuridão aumentou e as
pisadas maliciosas avançaram mais rapidamente, como se o predador houvesse
decidido matar suas curiosidades, ou sua fome, ou somente fazer correr aquele
bando de intrusos a perturbar a paz do ambiente com aquele cavaquinho mal
tocado, aquele desentoado de vozes e aquele pandeiro de merda. Mas Gute vendo
que o cão impor-se-ia resolveu acordar Berro
e Téo. Foi tudo muito rápido. Esses dois ainda puderam ouvir o cachorro
rosnar e, dali mesmo latir, e em seguida avançar. Neste exato momento, Tonhão, cuja coragem até então era discutível, acordou
assustado, tomou da sua cartucheira a seus pés dependurada, sendo o primeiro a
sair do barraco. O guarda noturno já latia acuado, sacudindo paus e querendo
subir na árvore. Esta ficava a alguns metros do barraco, na direção da esquina
formada pelas duas paredes, por onde se podia muito bem algo se aproximar sem
dar conta das brasas, pois o raio de visão destas era totalmente encoberto pela
construção.
Tonhão, ao
sair de dentro do abrigo numa agilidade aparentemente incrível à sua pessoa,
fora avisado:
— Tonhão, não vai não que é alguma coisa que o cachorro
quer assustar! Ele rosnou primeiro, antes de latir! — Disse-lhe Gute, antes
mesmo de o cachorro acuar. Como se viu, evitava a palavra "onça",
substituindo-a por "alguma coisa que o cachorro quer assustar".
O fato de ter Tá-Riscado rosnado antes de latir fez
Gute, sujeito de sabe e prudência, concluir que o vira-lata estava com medo e
que quisera primeiro, em vez de usar-se de sua malícia para o ataque em
surdina, mostrar-se presente.
Mas o impávido Tonhão não ouviu e não deu bolas ao
conselho do amigo, e numa atitude francamente leviana — segundo opiniões
posteriores — entrou embaixo da árvore. Téo secundando-o, breve também a atingia,
cautelosamente, depois de tomar inconsciente a lanterna das mãos de Gute e
contornar pelo fundo da construção. — Quede sua lanterna, Téo? — Gute queria
saber. Berro os acompanhou, deixando
para Gute a tarefa de, sozinho, atiçar o fogo.
Tonhão se revelou hábil em roçagem: poucos minutos
passado e somente os paus mais potentes embaixo da árvore ficaram em pé. Isso,
porém, depois de terem voltado à choça e apanhado os facões. Os quatro embaixo
da árvore, tentando iluminá-la, mas todos sem facão, arma preciosa, esquecida
pela pressa e pelo afobamento. Será que Gute seria capaz de voltar ao abrigo e
apanhá-los?
Berro animava,
incansável, talvez por mal ter entrado na casa dos vinte anos, o mais novo da
turma e, portanto, com mais espírito de brincadeira. Via os latidos de
Tá-Riscado ecoarem na grota funda e estrondarem lindamente no silêncio da
madrugada; orgulhava-se de seu animal, muito bom e de tamanha serventia;
cachorro bonito e caro: por menos de cem reais não o venderia. Depois dessa,
então! Acuando até onça!
Todos atentos, porém. A qualquer momento, de
súbito, poderiam ser surpreendidos; estavam susceptíveis a um contra-ataque,
suas vidas corriam perigo. Mas já se era possível agora, depois de eliminar
algum mato, ver a copa da imensa árvore, sua projeção no céu fechado, a
amplitude de seus galhos. Gute não havia notado que se abrigara sob uma árvore
daquele porte. Tudo, no entanto, era sem forma, sem definição. Apesar disso,
com muita perícia Berro conseguiu
enfocar algo diferente: um vulto inerte que, com a claridade, se esbranquiçava.
Téo foi chamado e veio. Gute falou em dá um tiro vagabundo para ver se o suposto
bicho se movimentava, tomasse alguma tendência. Esse tiro seria dado com a
trinta-e-seis de Tonhão, a única
cartucheira ali e rapidamente recarregável. Reconsiderou, entretanto: seria uma
imprudência e ele, Gute, de certa forma o responsável pela integridade física
dos componentes da equipe não ira cair na besteira de "cutucar o cão com a
vara curta". Sabe-se que a gata quando alvejada reluta até os últimos
segundos de vida. Chumbá-la somente para vê-la se mexer seria procurar
precipício, uma tolice.
Zoavam à beça, efusivos. Acampamento mais perfeito!
Este era o primeiro; quantos mais não viriam?! Juntaram todos clareando, Gute com
sua lanterna de bolso, um fogo num facho de candeia reforçando a luz, e nem
desta forma decifraram o mistério do bicho, que agora talvez devido à claridade
volátil das chamas, parecia se mover. Foi nesse momento que Téo abriu mão de
sua reserva e proclamou:
Moço, ali é a cabeça de um bicho: tá coisado por
‘trás duma casa de cupim; o corpo tá escondido, só mostra a cara..., olhe as
orelhinhas lá! — Apontou com o dedo e falou com convicção, engolindo a seco,
sem respirar, sem perder tempo em anunciar sua acertada descoberta.
Em sua opinião tal bicho seria a onça. Realmente
pareceu haver uma casa de cupim, todos a enxergava, mas Gute não conseguiu
captar movimento algum. Também era ele, Gute, que cuidava do fogo naquele
instante e com as pupilas contraídas ficava mais difícil ver no escuro. Dava,
contudo, razões a Téo. Por que não? Não é assim que também agem os
gatos-do-mato ao serem encurralados por cachorro? Não se escondem em
bifurcações dos galhos, mostrando somente a cabeça, o suficiente para espiar as
manobras do adversário? Além do mais, Téo não faria tão séria assertiva se não
estivesse completamente certo disso, de que era a suçuarana. Gute olhou Téo,
surpreso por sua afirmação, não era muito de errar, mas não compreendia por que
somente ele a via claramente. Berro, feliz da vida, dava um tapinha de leve em Gute,
chamando-o para a euforia: Tá bom, não tá?! Sorridente, perguntava afirmando
positivamente com a cabeça.
Se era na verdade o que se supunha, então deviam
redobrar a atenção. Daquela altura, durante o dia, qualquer movimentação para
qualquer finalidade daria tempo para uma reação dos cabras; mas era noite.
Mesmo assim, era nenhum o receio. Quer fosse onça, quer fosse quati, o
tratamento era o mesmo. Berro, animado, preferia que fosse a danada e, graças a
Téo, que tinha visão noturna, a predileção do jovem estava satisfeita. Só Tonhão
necessitava ver para crer. Sua visão já não permitia ver muito além numa noite
sem lua e nublada; além do mais, o Gute, como ele dizia acrescentando o sotaque
sulista, ainda não havia batido e martelo e concordado plenamente com as
suspeitas do Téo. Cético, não queria permanecer ali, literalmente de cara para
cima; sua garganta já estava seca e o dorso doía. Assim, moído e estropiado da
jornada do dia anterior, queria continuar seu sono interrompido pelos latidos
do cachorro. Se Téo estivesse certo, o abrigo, inclusive, lhe daria mais proteção.
A questão agora era: por que os olhos não refletiam
a luz das lanternas? Que laia de bicho seria esse? Interrogavam-se. Pensando
por essa faceta, desanimavam. Teria Tá-Riscado acuado de novo à toa? Nessa
incerteza, sentaram-se de sentinela ao pé do tronco à beira da nova fogueira à
espera do sol e de sua luz. Cantava um urutau no vale e Gute com o chamador de
zabelê o imitava com precisão para desespero do pássaro.
Berro e Tonhão
recuaram-se ao barraco. Gute permaneceu ali sentado. Téo deitou por ali nas
folhagens, aproveitando a claridade, desalojando tudo e todos, espatifando os
tições. Em fração de segundos ressonava: cabra bom de a onça pegar, Gute pensava.
Este rearrumou os tições, deu outra olhada para cima, checou as coordenadas do
cachorro e, de olhos acesos, esperou clarear. Se por um lado o sol custasse a
penetrar a grota funda, por outro queriam somente que esse clareasse a copa da
árvore, que por sorte se destacava das demais.
X
Rompeu a aurora e o amanhecer não foi tão espetacular.
A casa de cupim que protegia o corpo do animal acuado instalada no alto
dissipava-se com a claridade: simplesmente não existia ou jamais existiu. A
cara arredondada da onça com suas orelhas, tampouco. Mas, e quanto ao barulho,
a se aproximar pelo fundo do barraco, tendo recuado tão logo ter o cachorro
rosnado, latido e avançado? Onde o bicho se meteu? E o cachorro agindo daquela
forma, mordendo e sacudindo varas, querendo subir em árvores, desejado
profundamente tais habilidades? Teria o cão os ludibriado novamente? Eram
muitas as dúvidas.
Berro, na qualidade de dono do Tá-Riscado, sentia
uma certa culpa, desnecessária, por todos esses fracassos. Não se importava, no
entanto, quando diziam que o infeliz não caçava nada; era o primeiro a afirmar
a apoiar-lhes. O miserável não tinha ânsia nem para ir ao córrego beber água:
na madrugada Téo lhe dera água e o condenado bebera que só.
Estas e outras questões, as relativas ao caso em
que o cachorro perseguiu o tatu e retornou imediatamente e com medo, e as mais
recentes, haveriam de ser desnudadas quando chegassem a Cachoeirinha e
consultasse os mais experientes, quando já houvesse tomado um café coado — no
mato ao café não se côa — , quando consultasse o velho apelidado de Ô, para
quem a diferença entre dia e noite era somente a presença ou ausência de luz.
Naquela plácida manhã de sol, em que a brisa
sacudia as folhas das árvores, predominavam as olheiras de uma noite mal
dormida. Deram uma volta por ali, um a um, vez a vez. Berro, debalde, foi mais
longe, numa longa caminhada. Quando se reencontraram no posto de suprimentos
juntaram tudo que ainda restava de alimento a preparar; iam embora dali a
pouco, podiam queimar o estoque. Tonhão retirava carne da sacola; o cachorro
suspirava fundo. A água fervia para um macarrão instantâneo, enquanto Tonhão e Berro liam literatura de cordel, histórias de
Lampião e Maria Bonita. Ao abrir o pacote do produto, porém, Tonhão constatou
tratar-se de condimentos, pacotes de temperos e não de macarrão.
— Olhe, vou falar para o cara da venda não botar o
tempero de junto do miojo. — disse o pagodeiro, contrariado, apesar de ter dito
antes não querer participar daquela comida.
A água quente serviria para lavar algum alimento.
Palpite de Téo. Já os pratos rasos a lavagem era a seco, não por falta de água
ou de higiene, mas sim pela dificuldade de lavá-los sem sabão ou detergente.
Para o próximo acampamento seria de grande utilidade um pedaço de sabão,
disseram. Gute e Berro assavam peixe
salgado na maior diligência; o aroma desprendia-se das brasas e infestava o
ambiente. Gute abandonou a tarefa em favor do cavaquinho. Na barriga de Téo zoava
uma tripa. Tá-Riscado espiava, discretamente. Este, muito cabreiro frente a
tanto olhar de indagação, se perguntava o porquê de os cabras não terem
arrancado o tatu do buraco na noite passada. Por vezes olhava a capanga no teto
dependurada, mas não via nenhum volume digno de uma caça; pelejava para
compreender.
Gute, esforçando-se para não ri do fora que dera Tonhão
no caso do miojo, sentiu um fervilhamento na panturrilha, largou o cavaquinho e
com trabalho embolou a perna da calça para alcançar o carrapato. Era dos
grandes e apressadamente avançava em direção às coisas. Pegou a praga e
soltou-a dentro do fogo para vê-la pipocar. — Toma miserável! — Disse. Berro admirava-se com o estrondo a levantar
cinzas.
A água de beber já era a do córrego, e Téo mais uma
vez inventava arte: levantava a camisa, punha-a na boca formando um filtro e
enfiava água goela abaixo. Exagero! Não precisava tanto. Bastava não reparar a
composição de folhas podres e pernas de aranha e beber-se-ia tranquilamente.
Agora era a hora de derrubar o barraco, mas muito
ao contrário do que se pensava, cortados os cipós a construção não ruiu
facilmente. No fim, as folhas já se haviam murchado e através do teto já se
podia ver o azul do céu. Estavam, a essa altura, acostumados com a ideia de
desmanchá-lo, não mais sentiam grande pesar. Relutava, no entanto, em ceder:
foi derreando para um lado, enganchando acolá e se estabilizando. Lá se ia mais
facãozada em um elo estratégico e o colapso progredia. Tonhão, já na boca do caminho para casa, olhava
comovido. Berro observava Gute na
tarefa e dava palpites; no fundo, todos emocionados. Estava terminada a
história do casebre. Do primeiro cipó amarrado até seu tombo foram cerca de
vinte e quatro horas: um dia de diversão e aventura, O sentimento era também de
vitória, de uma conquista desde há muito planejada e falada.
XI
O ambiente foi de toda forma influenciado pelos
visitantes: avivaram-se as picadas de acesso, rastros humanos foram deixados na
lama da beira do lameiro; paus cortados tinham suas folhas amarelando; casas de
cupim foram destroçadas; o chão do barraco fora cavado, formigas se desviaram
de seus cursos normais e juritis em seus voos rasantes serviam-se de improvisos
ao deparar com aquela estranha ocupação. Tivemos mais: cacos de vidro,
chacolateiras e sacolas plásticas foram ali abandonadas. Onças tiveram que
dormir de ouvidos atentos após latidos de cachorro; muriçocas eram
surpreendidas por rajadas de fumaça, maribondos foram perturbados e quase
desarranchados. Uma cobra coral foi aprisionada em seu buraco e, diz a lenda,
não deve ter morrido. Conta o folclore que uma cobra depois de enterrada viva
não morre de fome, mas se definha atingindo dimensão comparada a fio de cabelo,
à espera de que consiga, um dia, se libertar e se vingar do malfeitor que lhe
impusera esse dissabor. Ciente disso ou não, Téo a enterrara quando, ao
afastar-se acanhado do grupo, a vira ali, insinuando-se pelas folhagens secas
do chão, aparentemente indefesa, e ele acostumado a lidar com cascavéis,
enquanto de cócoras fitava a bichinha para não perdê-la de vista, já que ele
próprio poderia vir a ser sua vítima. Mas, desconfiada, a coral entrou num
buraco e Téo, com o calcanhar, sem quê nem porquê, pilou até não mais poder. Se
ela se libertaria para se vingar um dia, naquele lugar longínquo e esconso, a Téo
pouco interessava.
Mais marcas ou interferências no ambiente? Não
seria incorreto dizer que a bicharada soubera aproveitar os sons das serestas,
de um cavaquinho maneiro. Seu hábitat recobrira-se de importância, bastava
perceber a presença de Tonhão, dos mais
famosos e populares em Cachoeirinha e vizinhança.
Tonhão, abatido, olhava sério para o além. Imaginava o
trajeto de volta. Lembrava também das vantagens de está leve a bagagem e ser o
caminho praticamente só descida. Esse último pensamento amenizava as amargas
lembranças da caminhada a o esperar e o confortava. Horas antes quiseram
esvaziar um cartucho: uma batida, duas, três e..., nada. Mesmo na enésima
tentativa a trinta-e-seis não detonara. Podia ter necessitado dela quando
entrou pioneiro com a arma metida embaixo da árvore onde supostamente havia um
bicho cujas suspeitas iniciais iam para um dos mais ferozes. Certamente seu
brinquedo não funcionaria e, tendo o incauto se esquecido de apanhar o facão —
ninguém se lembrou —, enfrentaria a onça no mano-a-mano. Era realmente um
"cabra doido do Sertão".
No caminho para casa Téo pode conhecer o teiú,
filhote ainda, contudo, representando bem a espécie.
Ao saltar à estada onde a cerca encerra num
mata-burro para depois continuar em direção ao rio, as disposições foram as
seguintes: Gute caminhou rodagem acima para checar o estado de uma armadilha; Berro e Tonhão esparramaram-se exaustos no chão; e
Téo foi vasculhar os pés de jaca. Para ele aquela jaqueira enorme era de
assombrar; como não devia ser então, a do Riachãozinho de Lençóis da qual Gute lhe
havia falado? Era, na verdade, seduzido pelo clima e pela fertilidade daquele
lugar, da Lapinha, pois em pleno verão severo a paisagem apresentava-se verde e
fascinante. Verde de vários tons, embelezado com vermelho e amarelo das folhas
novas das árvores caducas. O paredão ornamentado merecia uma foto, pensava.
Minutos depois Gute voltou ostentando seu troféu e
já ouvira tombo de jaca derrubada. Apossou-se da prosa entre os dois do chão
enquanto arrancava os sapatos ressecados do barro e que mordiam seus
calcanhares. Téo tossiu de leve limpando a garganta e anunciando que chegava.
Apareceu corcunda do peso de duas jacas estupendas dependuradas pelo talo. Gute
e Berro viram-nas e já dizia de qual pé
foram colhidas. Da pior jaqueira que se têm notícias em toda a Lapinha. Dá
jacas moles grandes, e bonitas, bem verdade, algumas exageram em tamanho que é
sofrimento conduzi-las. Téo que o diga! É do tipo de jaca que amadurece e não
muda de cor, nem por fora nem por dentro. Brancos, os favos além de não terem o
mel cheiroso são duros e custam a soltarem-se do miolo da fruta. Não adianta
quebrar graveto, tem que meter a mão para melar-se de visgo. Téo não sabia
disso e a comeria de qualquer jeito.
Abra a jaca homem — Gute pilheriava.
— Colé nada, rapaz. Basta uma: quem vai comer esse
mundão de coisa? — Téo retrucava.
Para ele, abrir duas jacas daquele tamanho seria um
desperdício absurdo. Estivesse de bicicleta e morasse perto jogá-la-ia na
garupa com certeza.
Pela vontade de Berro a segunda jaca também seria aberta, porque a
primeira estava daquele jeito: parecia murcha e não madura. Talvez a segunda
estivesse melhor.
Deixa ela aí, daqui a pouco passa um peão ai a mata
a fome. Falou Tonhão, tirando as palavras
da boca de Téo.
Eis o porquê de a melhor jaca, a digna do nome, ter
ficado à margem da estrada para raposas e passarinhos. A árvore de vez em
quando capricha numa jaca e a dita esquecida propositadamente, soube-se, estava
no mel! Foi o que disse Ô, que a saboreando no dia seguinte não conseguia
associá-la ao pé de onde viera. Com certeza não era daquele encostado no
gravatá, o que dá jacas grandes e ruins.
Já na Lapinha, mas dessa vez de volta para casa,
uma pausa para descanso, e um chá de capim-santo. O mestre de cozinha desta vez
foi Tonhão. Berro e Téo tomaram banho
de rio. Durante o chá improvisaram repente ao ritmo de uma batucada. Tonhão começava
uma quadra, como quem ia deslanchar, mas empacava no terceiro verso. Por uma
vez não mencionava a palavra "sem-terra". Somente o sol estava mais
quente do que a bebida e esse seria enfrentado tão breve esvaziassem a lata. Berro,
dando um balanço nos acontecimentos, desejava está em casa; queria encerrar o
quanto antes esta jornada, que em termo de caçada tinha sido um fiasco. Com as
pernas cansadas e sentado no beiço do forno de torrar farinha, olhava pensativo
para o teto. Escorria água pelo calção molhado do banho. Sentia frio na sombra
em uma tarde de muito sol. Também via, a exemplo de Tonhão, a estrada a sua frente, cada marco aproximando
e a transpor: a ladeira da casa-velha, o viveiro, a caixinha de Beto, os fornos
de queima de carvão, a reta plana para chegar ao pau-d'óleo, mais fornos, a
cancela preta e, por fim, o rio no beco de Betim. Só então estaria em casa: uma
hora de caminhada. Isso se Tonhão aguentasse o ritmo! Já, Téo, coitado, ainda
ia pedalar para Wagner.
O sol queimava naquela tarde e precisavam cumprir a
missão, mostrarem-se em casa sãos e salvos.
XII
Opinião unânime dos caçadores mais experientes de
Cachoeirinha inteirados dos fatos que os permitiram elucidar sobre a natureza
do bicho — fogo baixo, pisadas sutis, cachorro escabreado — puseram as dúvidas
por terra: o cachorro acovardara-se ao pressentir a onça. Acuara a árvore
solitária porque a bichana havia ensaiado com as mãos subir em seu tronco.
Quando o cachorro, mesmo tímido, deu testa, a gata, sorrateira e crapulosa,
habilmente evadira-se e, precipitado nas evidências, o cão crera está a fulana
em cima da árvore. Essa conclusão agradava aos cabras, pois fazia jus aos
momentos de apuros no mato.
Nos dias subsequentes não se falou em outra coisa
em Cachoeirinha. Onde havia gente responsável prosando, e também aqueles
meninotes que querem ser homens, o assunto era comentado. Os meninos de Ô viram
a onça no Capão, dizia um fulano. Um sicrano já acrescentava novo ato, torcendo
a verdade, e beltrano contava um caso semelhante após um trago no café. O
próprio Tonhão diria, em afirmação dias depois, que a danada da onça lhe teria
jogado um punhado de terra.
— Ah! Aí eu vi me jogou terra! — relatou Tonhão, com certeza plágio de causos já ouvidos naquela semana.
E
assim foi a história do acampamento. O primeiro dos Cabras Doidos do Sertão, ou
melhor, Cabras Doidos da Chapada. Já está sendo bolado um outro "Orelha de
Onça" para as próximas férias, com licor de jenipapo, mais folia e mais
diversão; dessa vez em um lugar mais remoto, com mais perigo e, portanto, mais
entretenimento. Neste momento o mãe-da-lua sonha com suas presenças, com o
"Pagode em Brasília", "O Seresteiro das Noites" e aquele
cavaquinho alegre. Por ora, o que domina é seu clamor macabro, numa insônia
eterna. FIM— Ah! Aí eu vi me jogou terra! — relatou Tonhão, com certeza plágio de causos já ouvidos naquela semana.
RTC, Bahia 2007
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